quinta-feira, 9 de novembro de 2023

A noiva do Drácula (nova versão) - capítulo 24



 — Então... foi nele o teu primeiro beijo?

David perguntou a bela jovem sentada ao seu lado na mureta enquanto observavam o vai e vem das pequenas ondas formadas.

Luana ainda suspirava como uma boba apaixonada ao reviver tais memórias. Por dentro, David sentia a raiva lhe corroendo por inteiro, mas tentou ao máximo não tentar transparecer a ela suas reais emoções.

— Sim. — Luana fitou o amigo, sorrindo de orelha a orelha. — Acho que estou apaixonada.

Ela respondeu citando o rapaz mais velho que era de uma das turmas do segundo ano do mesmo colégio que estudavam.

"Apaixonada"... O que ela realmente sabia sobre tal sentimento?, David perguntou-se em silêncio enquanto a fitava em descrença.

Luana era boba e emocionada demais ao ponto de deixar-se envolver tão facilmente.

David desviou o olhar para o horizonte iluminado, sentindo-se contrariado. Ele sabia a resposta.

Luana não tivera seus sentimentos esmagados como ele - por isso, ela ainda era inocente.

— E você, David. Já se apaixonou por alguém? — Luana perguntou interessada.

No mesmo instante, David fitou aquele lindo rosto sorridente que ele tanto amava e seus olhos dançaram, o traindo. Mas Luana não havia notado o sinal.


David adentrou os jardins da casa com o seu carro preto como a noite quando as enormes portas de ferro maciço lhe deram passagem. Ele estacionou na vaga que lhe pertencia, desligou o carro e decidiu esperar um pouco antes de entrar, iniciando seus devaneios.

Ele sabia que o seu contentamento seria evidente pelo pessoal de casa. O sorriso brilhante ainda permanecia de orelha a orelha, não seria fácil disfarçar.

As mãos firmes e delicadas apertaram, sem muita força, o couro de ótima qualidade do volante.

Sim, ele havia conseguido. Luana o desejava quase tanto quanto ele.

Não se demorou muito a sair do carro e passar pelas portas duplas de madeira da casa, não se dando conta de que havia uma sombra acima de um dos telhados espreitando cada um de seus passos.

Ivan se encontrava em sua poltrona favorita, como sempre, lendo algumas notícias impressas do jornal. Esse, certamente, era um de seus passatempos favoritos, além de bebericar alguns goles de café nacional.

Não demorou muito para que o homem mais velho notasse a sua presença.

— David, que surpresa. Se divertiu?

David freiou o passo.

Ele pensou em ser sutil e não atrapalhar a leitura de Ivan, mas não havia dado certo.

— Acho que sim — respondeu não muito convincente.

Na verdade, não havia se divertido muito, nem mesmo conseguido se concentrar, antes de encurralar Luana naquele espaço escuro. Aquela, sim, havia sido a sua diversão.

— Tenho certeza que sim — Ivan disse o fitando atentamente. — O seu sorriso bobo te entrega.

David estalou a língua. Ele sabia que, pelo menos, um deles perceberia.

— Tem razão — concordou e olhou em torno da sala de estar, percebendo estar somente Ivan ali. — Shartene, Miranda? Alan?

— As criadas se recolheram, esperando por novas ordens. E Alan saiu não tem muito tempo. Ele me disse que iria a algum lugar resolver...

Antes que Ivan terminasse a resposta, as portas duplas do hall de entrada se abriram, revelando a figura de Alan. O semblante do tio mais novo transpassava total plenitude.

Ivan dobrou a folha do jornal, passando para outra página.

— Onde estava? — perguntou ao irmão mais novo.

— Como você disse antes a David: saí para resolver algumas coisas — Alan respondeu sem se incomodar com a intromissão do irmão enquanto se sentava à vontade em um dos sofás.

Ivan o fitou em desconfiança, mas Alan o ignorou; a sua atenção havia se voltado para David.

— Então, você se divertiu, certo?

David lançou-lhe um olhar irônico.

— Não te disseram que é feio espionar a conversa dos outros? — David disparou, embora fosse em tom de brincadeira.

Ele ainda se lembrava bem quando Alan lhe disse a mesma coisa quando era pequeno.

Alan sorriu, apesar de não lhe chegar aos olhos.

— Em minha defesa, digo que eu já estava prestes a entrar quando ouvi. Por que não se senta?

— Eu já iria subir para o meu quarto — David respondeu.

— Por favor, sente-se — Alan insistiu. — E conte-nos um pouco mais sobre a mulher que balança o seu coração.

David fez menção de andar em direção à escada, mas parou no mesmo instante em que Alan dissera as últimas palavras.

Agora, Ivan e Alan o fitavam atentamente, esperando por mais.

Como ele...?

— Sobre ter ouvido o início de sua conversa com Ivan agora há pouco — Alan justificou. — Quando alguém sorri de modo bobo, pode também ser por motivos românticos.

David suspirou pesadamente, dando-se por vencido. Não havia como esconder alguns segredos deles por muito tempo.

Retirou as mãos de dentro dos bolsos da jaqueta e fez como o pedido.

— O que vocês querem saber? — perguntou com o ar de desinteresse de sempre. — O que quer que seja, sejamos breves, pois pretendo subir para o meu quarto e descansar.

Ivan e Alan trocam mais um olhar, mas o irmão mais velho decidiu apenas observar e ouvir a conversa.

— Então, de fato, é uma mulher? — Alan indagou interessado. — Pergunto-me há quanto tempo ela faz o teu coração acelerar.

Isso ele não diria. Nada de detalhes mais profundos sobre a sua vida.

David quase bufou em descrença.

— Por favor, não exagere.

— Talvez não seja exagero — Alan contradisse. — Talvez você realmente esteja apaixonado por ela há muito tempo.

Ivan continuou a ouvir, calado.

David fitou o tio mais novo. O olhar do homem mais velho transpassava uma intensidade que ele não se lembrava de ter visto há um bom tempo.

Era apenas uma dedução, não era? Até que ponto Alan parecia ter conhecimento desse seu segredo mais íntimo?

Alan sustentou o olhar cauteloso de David por um breve instante. Pelo visto, o jovem rapaz ainda não desconfiava de nada, o que era ótimo.

— Estou apenas brincando, meu sobrinho — disse em tom despreocupado, apesar de saber que era o único naquela sala que parecia ter achado graça. — De qualquer modo, fico contente por você se enturmar e se distrair mais — completou.

Para David, tais palavras não eram tragáveis. Além de descrer em todo esse afeto e cuidado repentino vindo dos tios após anos de negligência, Alan parecia saber de algo.

Mas ele não se importaria com isso agora. Apesar dos pesares, Luana havia transformado a sua noite para melhor, e só aquilo importava para preencher bem o seu dia.

— Bem, obrigado, Alan — disse antes de forçar um sorriso amigável.

Os olhos cor de safira do mais velho ainda se encontravam fixos no sobrinho à sua frente. Ele ainda não sabia porque encarava David com tanta intensidade e, mesmo se soubesse, decidiu ignorar o sentimento nada bem-vindo e o olhar interrogativo de Ivan sobre si.

— Você se lembra sobre aquela garota sobre a qual mencionei? — Alan insistiria; estava sendo mais forte que ele.

David olhou em confusão para seus dois tios, perguntando-se a quem a pergunta havia sido direcionada. Como Ivan permaneceu a folhear seu jornal em silêncio, embora estivesse prestando atenção em cada palavra dita, David decidiu responder:

— A mulher que você pediu em noivado? “Bela Lua”, certo?

— Sim — Alan respondeu. Olhou para o sobrinho e para o irmão que parecia desinteressado na conversa - mas só parecia; talvez David não soubesse o que ele pretendia, mas sabia que Ivan desconfiava. — Eu a chamei para vir aqui amanhã à noite. Ivan já a conhece, portanto, eu gostaria de te apresentar a ela.

David assentiu, embora não estivesse interessado em ser apresentado a ninguém. Contudo, aquele certamente era um caso especial. O seu corpo relaxou sobre o encosto do sofá.

— Pelo visto, você está mesmo envolvido por essa mulher — David provocou.

Alan esboçou um sorriso controlado, os seus olhos fixos no sobrinho.

— Deveras. E ela por mim — salientou.

— Eu ainda acho isso tudo estranho — David iniciou. — Vocês dois eram tão obedientes à Elite, e agora Alan me aparece com uma "noiva", até mesmo inventando um nome falso para conquistá-la.

Ivan pigarreou e deu continuidade à leitura por outra folha do jornal.

— Também acho estranho — Ivan concordou sem olhar para os dois. — David última vez, isso não deu muito certo, e Alan sabe muito bem disso.

Alan decidiu ignorar as últimas palavras e o olhar avaliador de Ivan.

David engoliu em seco. Ivan havia se referido ao segundo mais velho entre o antigo trio de irmãos, o homem que já não se encontrava entre eles: seu pai.

— Não estamos mais na Romênia — Alan contrapôs. — A Elite não obtém qualquer influência sobre nós enquanto não estivermos lá.

Ivan o fitou atentamente.

— Se você diz... — Ivan comentou.

Alan lançou mais um olhar cúmplice para o irmão como se dissesse "e também não sou o Vlad". Ivan entendeu, mas ainda parecia estranhar - para não dizer "desaprovar" - aquele relacionamento repentino, e retornou à sua leitura.

Alan redirecionou a sua atenção para o sobrinho e forçou mais um sorriso amigável, embora esse não fosse tão genuíno quanto antes. Falar sobre Vlad e reviver certas memórias ainda revirava o seu estômago.

Decidiu continuar onde havia parado:

— Continuando sobre antes, eu convidei Bela Lua para vir hoje à noite. Por que você não convida essa sua amiga para vir também? Acho que seria de grande valia Bela Lua ter uma companhia de alguém como ela.

David esboçou um sorriso irônico.

Ainda que Luana tivesse se derretido em seus braços umas horas atrás, ele sabia que ela não iria querer vê-lo tão cedo em sua frente.

— Acho que isso não vai ser possível. — O canto de sua boca se retorceu num pequeno sorriso afetado.

— Ah, sim... — Alan refletiu assentindo enquanto o seu olhar se fixavam atentamente no sobrinho. — E por que não seria?

— Isso já se trata de domínio privado — David respondeu ao se levantar. — Talvez eu saia um pouco amanhã pra distrair um pouco a mente. De qualquer modo, estarei aqui para conhecer essa sua noiva. Por ora, vou descansar um pouco — e aproveitar o resquício de humanidade que ainda me resta, quis acrescentar, mas decidiu que não seria uma boa ideia. — Boa noite.

— Boa noite, meu jovem — Ivan despediu-se do sobrinho ao dobrar o jornal e apoiá-lo sobre a mesa de centro.

— Boa noite, David — Alan também se despediu com um pensamento divertido lhe passando pela mente. O dia seguinte seria interessante.

Não demorou muito para que Ivan soubesse que David já havia entrado no quarto, então aproveitou do momento a sós com o irmão.

Ce este, Ivan? (O que foi, Ivan?) — Alan perguntou após um longo suspiro. — Te uiți la mine de când am sosit. (Você está me encarando desde que eu cheguei.)

Mai multe despre una dintre patrulele tale? (Mais em uma de suas patrulhas?)

Uma sobrancelha de Alan se arqueou em surpresa pela pergunta.

Ah, sim. Agora ele entendia a que Ivan se referia.

Știi că da. Ți-am mai spus când David a plecat. (Você sabe que sim. Eu te disse antes quando David saiu) — respondeu.

Ai spus că vei rămâne pe urmele lui David dacă va fi necesar, din cauza stării lui. Nu că l-ai provoca folosind pe cineva apropiat lui (Disse que ficaria no encalço de David, caso fosse preciso, devido a condição dele. Não que o provocaria usando alguém próximo a ele) — Ivan disse em reprimenda. — Ce faci, Alan? (O que pretende, Alan?)

O canto dos lábios carnudos de Alan subiram num evidente sorriso malicioso que Ivan jamais havia visto antes no irmão mais novo - não nele.

In curand vei intelege (Em breve, você entenderá) — Alan disse antes de se levantar. — Sa ai o noapte buna, frate. (Tenha uma boa noite, meu irmão.)

Ivan acompanhou em desconfiança os passos de Alan até a saída.

Era irônico Alan atualmente querer se distanciar tanto de Vlad e, mesmo que de modo inconsciente, seguir quase os mesmos passos do irmão.

Se já não bastasse David com seus segredos e incógnitas, Alan também estava indo pelo mesmo caminho.

Tomaria um gole de café para se ocupar com algo do qual gostava. Relembrar o passado, ou pensar nessa disputa imaginária entre Alan e David, não ajudaria em nada.

Pegou o sino prateado sobre a mesa de centro e o sacudiu levemente para o despertar de suas criadas.

°•♤•°

David pôde ouvir um pouco do que eles disseram.

Pelo que ele havia entendido, Alan seguia seus passos como uma sombra. Eles queriam controlá-lo, mantê-lo sobre duras rédeas para quando as mudanças de seu corpo e sentidos começassem a ficar mais bruscas. Não importava se a Elite não teria influência sobre eles por conta da distância em que se encontravam, Ivan e Alan sempre se manteriam fiéis, pelo menos no que se tratava dele.

David suspirou profundamente e andou a passos firmes em direção a seu quarto, fechando a porta atrás de si.

David contraiu o maxilar, dando margem a irritação. Um mestiço imundo e impuro, era isso o que ele era e sempre seria. Sempre seria tratado como uma escória pela Elite, e também pelo único resquício que sobrara de sua família.

Decidiu, por fim, não pensar mais naquilo. O dia de hoje havia sido quase perfeito e não o estragaria com pensamentos nada bem-vindos.

Os olhos cor de safira se ergueram na direção à moldura contendo o sorriso mais perfeito do mundo. David sorriu automaticamente. Sua linda Luana.

Sem tirar os olhos do quadro, ele tirou peça por peça de suas vestes, enquanto seus passos avançavam em direção ao objeto.

— Sabe, meu amor — David deu início a mais um de seus delírios como sempre fazia quando se encontrava de frente ao retrato daquela linda mulher. — Eu adorei esta noite, com exceção de algumas coisas — disse quase de modo amargo, lembrando-se do beijo que Nina lhe dera, e no copo de cerveja que havia se transformado num cálice de sangue.

A jaqueta de couro escura e a blusa que ele havia usado por debaixo já estavam amontoadas no meio do quarto. O par de tênis foi jogado no mesmo local.

— Se você ao menos soubesse, Luana, o quanto eu te desejo... — David sorriu verdadeiramente, transpassando todo o seu desejo e amor. Desfez o cinto da calça e o jogou no chão. — Mas hoje eu percebi, meu amor. Percebi o quanto você me deseja também. — Ele desabotoou os dois primeiros botões da calça numa lentidão paciente e quase dolorosa. — Por favor, não tente esconder...

O zíper, antes enganchado, desfez em dois o trilho de metal, o que deu passagem para a mão direita descer lentamente em direção ao contorno já totalmente enrijecido escondido pela peça íntima.

David suspirou desejoso pelo iniciar dos movimentos de sua mão e cerrou as pálpebras, deixando encostar a testa na borda do quadro.

Ele sorriu em meio a respiração quase ofegante.

Apenas em se lembrar em como Luana havia ficado enciumada por causa de Nina, e como ela havia correspondido ao seu beijo, quase tão sôfrego quanto o dele, o enlouquecia ainda mais; dava-lhe certeza de que o seu sentimento não era simplesmente platônico e unilateral.

— Eu te quero, Luana. — Os olhos cor de safira fitaram de modo estreito, quase cerrados, cada detalhe da linda mulher do quadro. Cada movimentar passava a ser mais rápido e intenso, fazendo-o soluçar de prazer. — Para sempre.

°•♤•°

Tudo estava tão quieto, Luana pensou ao abrir a porta do quarto, uma mão segurando o par de ankle boots, tendo o cuidado de não fazer barulho. Embora se sentisse tão cansada e desanimada para qualquer coisa, foi rápida ao tirar as roupas e vestir um conjunto de pijama. Pôs com cuidado o par de sapatos no lado do guarda-roupa e devolveu a bolsa transversal ao cabideiro.

Ignorou ao máximo sua silhueta refletida pelo espelho, pois bem sabia que não estava bem emocional e psicologicamente - tudo por causa dele.

Jogou-se sem cerimônia na cama e se demorou um pouco fitando o "céu estrelado" do teto que ganhara de presente quando ainda tinha oito anos de idade. Ainda se perdendo em pensamentos e lembranças do quão menos complicado parecia ser o seu passado, Luana tateou à procura de sua manta quentinha e se cobriu quase que completamente, assumindo uma posição quase fetal.

Seus olhos castanhos ainda se encontravam bem abertos, embora estivesse muito cansada. Teria dificuldade em deixar-se levar, por ora, mas se esforçaria apenas em cerrar as pálpebras e deixar que o sono viesse; seria melhor do que vagar por pensamentos inoportunos.

O melhor que poderia fazer agora seria dormir... E não pensar em mais nada.


A noiva do Drácula (nova versão) - capítulo 23



Luana abriu caminho entre algumas pessoas que conversavam ou dançavam conforme o ritmo da música sobre a pista de dança; parecia haver mais pessoas comparado a antes. Ela conseguia sentir e ouvir o seu coração bater acelerado mesmo tendo passado um bom tempo escondida numa das cabines do banheiro para tentar se acalmar do ocorrido recente.

— Jéssica.

Luana chamou a amiga que dançava junto a Fred. Nina não estava presente, e nem Luana queria olhar para a cara dela. Não ainda.

— Luana? O que houve? — Jéssica parou de se mover e a encarou preocupada. — Você está branca como um papel. Aconteceu alguma coisa?

Fred também voltou sua atenção para ela.

Luana esboçou seu melhor sorriso. Não contaria o ocorrido a eles.

— Não — Luana respondeu tentando acalmar as batidas frenéticas de seu coração — Está tudo bem.

Jéssica a encarou com desconfiança.

— Tem certeza?

Luana esboçou um sorriso tranquilizador.

— Claro — mentiu, mas ninguém precisava saber. — Só bebi demais.

— Ok, então. — Jéssica sorriu aliviada e estendeu o copo de bebida que segurava para que Fred pegasse. — Vamos dançar.

— Jéssica, eu já vou — Luana se adiantou antes que Jéssica a levasse para o centro da pista.

— O quê? Mas já? — Jéssica perguntou incrédula. — Praticamente, acabamos de chegar.

Fred continuou a analisar Luana por um breve instante e depois desviou o olhar. Ele parecia saber de algo, ou seria apenas coisa de sua cabeça.

— Luana, quase não ficamos juntos hoje. Eu pretendia sair daqui um pouco mais tarde e aproveitar até o último momento com os meus amigos. — Jéssica suspirou frustrada.

— Houve alguns problemas lá em casa — Luana inventou alguma desculpa que fosse ao menos tragável. — Minha madrinha.

Fred manteve-se calado, mas esboçou a mesma expressão de preocupação de Jéssica.

— Oh, meu Deus, ela está bem? — Jéssica indagou.

— Sim, parece estar um pouco melhor, mas eu tenho de estar com ela — Luana respondeu.

— Ora, então vamos — Jéssica se adiantou. — Te levamos em casa.

Luana fez um gesto tranquilizador, a impedindo.

— Por favor, não precisa. Já chamei um táxi e ele vai me deixar na porta de casa — Luana explicou. — Fiquem e divirtam-se.

— Tem certeza de que não quer que te levemos, Luana? — Fred perguntou deixando transparecer um tom de preocupação. Tarde da noite e uma mulher estando sozinha, mesmo que na companhia de um motorista, parecia não ser uma boa combinação. — Não tem problema, você sabe.

— Tenho certeza — Luana respondeu tentando parecer o mais convicta possível. — Fiquem mais um pouco e se divirtam. Vou direto pra casa, e aviso a vocês quando eu chegar.

Luana sabia que em pouco tempo Jéssica descobriria a verdade em relação a Leonora, mas esse era o único modo de sair dali enquanto era tempo.

— Me desculpe sair agora — Luana disse com modéstia. — Podemos compensar qualquer outro dia.

— Não, tudo bem — Jéssica concordou em imediato, compreendendo a situação. — Mas se dona Leonora ficar bem, o outro dia seria amanhã. Se lembra que marcamos de ir à praia?

Luana assentiu vagamente. Ela havia se esquecido, mas não confessaria. Aliás, nem mesmo conseguia sentir vontade de ir com eles para outro lugar no dia seguinte. Principalmente em encarar mais uma vez uma certa pessoa.

— Sim, me lembro — respondeu. — Mas, sobre isso, ainda confirmarei se vou ou não.

— Tudo bem, não se preocupe — Jéssica a tranquilizou. — Dê o apoio necessário a dona Leonora e descanse o quanto puder. Infelizmente, David saiu daqui na pressa e nem mesmo disse se iria ou não conosco amanhã.

Luana engoliu em seco e assentiu rapidamente enquanto a sua mente lhe retornava lembranças de poucos minutos atrás.

— Entendo — disse simplesmente, tentando forçar uma voz mais firme que não deixasse transparecer o seu nervosismo. — Então eu já vou. Muito obrigada pela noite. E felicidade ao casal.

Luana e Jéssica apertaram os dois pares de mãos em cumprimento amigável e sorriram. Dessa vez, o sorriso que Luana mostrava era genuíno.

— Obrigada, Lu — Jéssica agradeceu. — Aproveite para se despedir de Nina também. Ela está lá na mesa tomando conta das nossas coisas.

As sobrancelhas de Luana se arquearam em surpresa. Havia passado pelas mesas e não notara a presença de Nina. Talvez porque estivesse alterada demais pra perceber a presença de qualquer um, uma voz lhe lembrou.

— Sim, irei — Luana disse. — Até.

— Luana — Fred a chamou antes que ela pudesse sair.

Luana se voltou e esperou pelo que ele teria a dizer.

Fred parecia um pouco pensativo, como se estivesse num conflito interno. Ele esboçou um sorriso amarelo para Luana.

— Espero que tudo fique bem — ele disse.

O cenho de Luana se franziu em ligeira confusão. Por que Fred parecia tão estranho, como se estivesse ocultando algo?, Luana se perguntou em silêncio. No fundo, ela sabia que ele não havia se referido ao suposto estado de Leonora, mas a outra coisa. Talvez ele tivesse conhecimento de sua situação complicada com David. David teria dito a ele? Afinal, os dois estiveram sozinhos antes.

Seria melhor não pensar em coisas do tipo.

Luana abriu um sorriso fechado em agradecimento.

— Obrigada — disse quase em murmúrio. — Entrarei em contato — disse e saiu da pista.

°•♤•°

— Nina? — Nina deixou de rolar a barra da tela do celular quando ouviu o seu nome e olhou para cima.

— Luana? — Ela falou surpresa e deu espaço para que a amiga pudesse se sentar ao lado; não que fosse preciso. — Você demorou um pouco.

Luana se sentou ainda em silêncio, sem saber exatamente como falaria, pois já tinha as palavras certas em mente.

— Eu já estou indo embora — Luana respondeu o comentário anterior, também como uma forma de se sentir hesitante em relação ao assunto de que se trataria. — Já falei com Jéssica e Fred, e vim me despedir de você.

Nina a encarou com surpresa e desapontamento.

— Mas, já? Ainda é cedo — disse Nina.

— Eu preciso fazer umas coisas importantes em casa — Luana disse sem se demorar no assunto. Queria falar sobre outra coisa, mas, infelizmente, nada saía.

— Entendo — Nina disse simplesmente olhando para a torre de bebida quase vazia. Eles ainda não haviam pedido a segunda dose.

Luana notou que ela parecia estar muito quieta. Não que Nina fosse uma pessoa totalmente extrovertida e falante, mas algo parecia estranho.

— Você parece desapontada — Luana refletiu olhando para ela.

Como um modo de se distrair, Luana acompanhou os desenhos trançados da alça da bolsa com o dedo indicador enquanto Nina se manteve num breve silêncio.

— Digamos que o plano da Jéssica não deu muito certo — Nina disse e expeliu o ar em evidente frustração.

Luana demorou alguns segundos para entender a que ela se referia: seu encontro com David. Mesmo com sua hesitação, elas entrariam naquele assunto, de todo modo.

— E... por que você diz isso? — Luana indagou interessada.

Nina a fitou.

— Tivemos uma breve conversa no carro, conversamos um pouco mais aqui e, quando ocorreu a oportunidade, nos beijamos. — Nina respondeu e esboçou um curto sorriso triste.

Luana assentiu se lembrando. Ela vira a cena que lhe causou um desconforto tão grande como nenhum outro - pelo menos, não daquela noite.

— E você gostou? — perguntou ao tornar a olhar para Nina. A sua voz transpassava um tom quase rouco.

— Sim, eu gostei — Nina respondeu. — Mas ele, infelizmente, não. — Ela suspirou profundamente. — Saiu de perto de mim, foi para qualquer outro lugar que eu não sei, e depois retornou alegando que iria embora.

Luana assentiu mais uma vez, refletindo em tudo o que Nina dissera até ali.

— Ele disse o motivo?

Nina a fitou sem entender.

— Motivo? — repetiu.

— Pelo qual iria embora — Luana especificou.

Nina meneou a cabeça.

— Não quis dizer, apenas disse que iria. Aliás, disse mais para Fred do que para mim. — Nina esboçou outro sorriso sem vontade e deu de ombros. — Tudo bem, não é como se ele me devesse satisfação só por causa de um beijo.

— Nina, eu...

Nina prestou atenção ao que Luana queria dizer.

Luana ainda se sentia muito desconfortável com o que queria dizer a amiga, não somente por não saber como abordar o assunto, mas também por se tratar de um alguém que ela continuava tentando, com todas as suas forças, manter à distância, apesar de não ter dado muito certo uns minutos atrás.

Luana não queria magoar Nina, mais do que já parecia estar magoada, mas precisava colocar para fora o que estava sentindo; um misto de emoções e sentimentos tão obscuros e intensos que podia sentir-lhes esmagá-la por dentro.

— Eu não me lembro muito bem se disse mais sobre David a você... — Luana iniciou, mesmo sentindo a sua voz tão trêmula.

— Bem, eu me lembro de você ter dito na empresa que sentia medo de David — Nina disse. — Embora eu não entenda porque você sente medo dele, já que se conhecem há dez anos.

Essa era a deixa para que Luana continuasse. E deveria parecer o mais convincente possível.

— É exatamente por conhecê-lo há tanto tempo, que tenho total propriedade para dizer que David mudou muito de uns anos para cá — Luana disse sem hesitação dessa vez.

Nina a encarou ainda sem entender. Luana chegou um pouco mais perto.

— David mudou, Nina - e para pior. Ele não é mais o cara gentil de antes.

Tanto a expressão do rosto quando do corpo de Luana apresentavam uma maior confiança que outrora. Os olhos castanhos de Nina tremularam em confusão.

— Mas David sempre foi fechado conosco, Lu — contrapôs. — Talvez seja o jeito dele.

— Nina, eu sei o que é o "jeito" dele, e posso dizer com todas as letras que há mais nessa história. — Luana teve de se conter para não parecer agressiva nas palavras e no modo de se expressar. — David parece estar envolvido com coisas estranhas, que nem mesmo eu tenho conhecimento, pois ele sabe que eu o enfrentaria.

Certamente, aquilo era mentira. Luana apreciava muito a amizade que teve com David durante todo esse tempo, mas a distância entre eles era tão palpável e intensa que ela não tinha certeza de que seria o certo enfrentá-lo, seja qual fosse o problema.

— E o que você sugere? — Nina pareceu pensativa. Era nítido que ela gostava dele.

— Fique longe dele — Luana disse rápido, antes mesmo de pensar numa boa resposta, como se fosse algo automático. — Quer dizer, eu gostaria que ele tivesse você como alguém com quem pudesse contar e estar ao lado — O que em parte, não era mentira. — Mas seria injusto e desleal de minha parte não te alertar sobre o problema em que você pode se meter.

"Injusta e desleal", uma voz interior de Luana repetiu em evidente ironia. Agora ela não tinha mais moral para pensar o que fosse de David. Mas resolveu não dar ouvidos a essa voz interior, pelo menos por enquanto.

Nina nada mais disse e pareceu ponderar sobre o assunto, servindo-se de mais um gole da bebida quase quente.

Luana ajeitou a sua bolsa de lado e mais uma vez olhou para a amiga. Certamente, ela se sentiria culpada depois.

— Eu já vou — disse Luana ao se levantar. — Amanhã nos falamos.

Nina esboçou um sorriso não muito à vontade e apertou a mão de Luana num gesto carinhoso de despedida.

— Obrigada por ter me dito isso, Lu — Nina disse com sua voz suave e, embora fosse um agradecimento, a sua voz transparecia tristeza e desapontamento. — Vou pensar mais sobre, prometo.

Tudo o que Luana pôde fazer foi esboçar um sorriso amarelo e sem jeito, assentir e sair de lá enquanto era tempo, antes de se arrepender de seu ato completamente confuso e duvidoso. Dizer aquelas coisas para Nina a havia feito sentir culpa, muita culpa... mas, acima de tudo, alívio.